Aprender através é tirar proveito de cada situação, cada acontecimento e cada descoberta. Aprender através é, em última instância, não fetichizar o saber. É a prática crítica diária para si e para o mundo.Aprender através é fazer uso do que se aprende para transformar a forma como se vive, se faz, se produz, se relaciona.
Aprender através é aprender com o mundo e se alterar. E nessa alteração, alterá-lo. Pois não há separação entre um e o todo. Quando propomos aprender através de arte, nunca é apenas sobre arte. Pois podemos aprender através de absolutamente tudo.
E como diz a canção: “ainda é cedo para não tentar”.
Já sentiu aquele arrepio ao imaginar uma imagem? Ou mesmo já pensou no quanto mobilizamos para criar uma imagem imaginada? Imaginar uma imagem combina memória, criatividade, imaginação, narrativa, sentimentos e emoções. Ao imaginar uma imagem, pode-se tanto ir para transportar para algum lugar quanto criar um lugar. Por vezes, uma imagem imaginada pode ser tão impactante que nos move para caminhos de medo, desespero e insegurança. Hoje, falo sobre nossa capacidade de imaginar imagens como uma de muitas curas ao acúmulo de traumas, dores e do terror vivido nas últimas quadras históricas. Mas não apenas delas.
Digo já a certo tempo sobre a capacidade da experiência estética coletiva, da mediação para a catarse e despertar de paixões. Não atoa, em momentos de efervescência socio-histórico-política, arte e a cultura - através de pessoas e espaços - forjam novas imagens. Em espiral, se fundem em múltiplas construções, constituindo, temperando e engrossando o caldo que alimenta a história do mundo. Não podemos deixar de imaginar imagens.
Precisamos imaginar as imagens que queremos imaginar. Pois, uma vez possível ver uma imagem imaginada, não é possível desvê-la - daí a origem e perigo das imagens imaginadas.
O ato de imaginar imagens podem dar forma a ações que a materializem. De certo, a imagem imaginada dificilmente é idêntica ai que se constrói no real. Mas, na subversão da imaginação em (cri)atividade, trabalhamos nossa capacidade criadora, construtora e (re)construtora. Quando criamos nossas imagens imaginadas de forma coletiva, estamos transcendendo o campo da expressão artística. Passamos a criar novos mundos.
No processo de descolonizarmos nossas imaginações e horizontes sem nos desprender da razão, imaginando imagens coletivamente, é possível inclusive que transformemos a própria razão de ser. E, quem sabe, parafraseando Jorge Larrosa, consigamos chegar a novas razões.
Acredito que a partilha de imagens imaginadas seja uma das mais potentes ferramentas de construção e criação coletivas. Partilhando imagens imaginadas, partilhamos sonhos e caminhos para crochetar o real através: da criação, da transformação, da organização e da cura.
Hoje, mais do que nunca, não podemos abrir mão de imaginar novas imagens e futuros.
Me conte uma imagem imaginada, para que juntas, juntos e juntes, possamos compor um novo amanhã.
Se o fizermos, nada será por acaso.
De poema em poema, como já diria Zelito Ramos ( @zelitoramos )
Na imagem: a mangaká Hiromu Arakawa, o educador Paulo Freire e o comunicador científico Carl Sagan
Este portal nasce como o desenvolvimento de sínteses que transbordam. E transbordam de um balaio de processos formativos. Processos perpassados pela universidade pública, teoria e pesquisa. Por partidos, sindicatos e organizações. Pela gestão da coisa pública, espaços de formação e equipamentos culturais. Por arte, artistas, educadores, professores, alunos e jovens de cada ponta dessa cidade. Em todos eles, uma constante que se realizava tanto pela sua potência transformadora quanto pelo apagamento de seu brilho, ainda que esta fosse a demanda mais fundamental em todos estes espaços de trânsito. A formação. E o entendimento de que ele está necessariamente vinculado à todas as tarefas, trabalhos e processos dentro de todos estes lugares.
Compreender processos de forma totalizante pode ser um caminho para inúmeras transformações. Isso é válido tanto a nível individual, quanto a nível familiar, coletivo, nacional, global. O sentir também é dialético. E suas condições são materiais. Entender as camadas de complexidade, verificar historicamente e dialogar em busca de sínteses podem ser valiosos instrumentos para percepção crítica de processos. A compreensão de condições, sua história e relações pode elucidar tanto sobre nossos medos, anseios, dúvidas e sofrimentos quanto as opressões que nos esmagam. De fato, estas estão em grande medida interligadas.
Paulo Freire, ao escrever sobre o ato de estudar, afirma que tal ato exige de quem o faz uma postura crítica e sistemática. E que tal disciplina intelectual “não se ganha a não ser praticando-a” (FREIRE, 1981). E na busca por fomentar a disciplina intelectual crítica, proponho a forma mediação enquanto uma possibilidade socialização e construção de sujeitos agentes da produção de conhecimento.
É possível apreender a realidade e aprender sobre o mundo tratando sobre um vastíssimo leque de assuntos, temas e/ou situações. E isso é possível pelo fato de que todos os objetos, seres, instituições, fenômenos e coletividades são sínteses de múltiplas determinações históricas. De condições e relações sociais. E por elas somos inevitavelmente atravessados. Pelo entendimento de que “a estrutura e mobilidade do acontecer ligam-se ao ser” (MARCUSE, 1968).
Carl Sagan em seu livro e série Cosmos (1986), fala sobre a penalidade da projeção. E de fato, há inúmeras penalidades ao projetar a forma como se vê o mundo. Daí a necessidade em conhecê-lo de forma totalizante. Quanto mais texturas de complexidades, maior e mais definidas são as formas de pintura do mundo.
Tenho me apropriado - tanto no trabalho de pesquisa quanto na atuação com Arte Educação - da elaboração de Martin César Feijó sobre cultura para trabalhar com propostas de difusão e produção de atividades culturais, por reconhecer sua potência em processos formativos e de de reordenamento do sensível individual e coletivo. Em seu livro “O que é Política Cultural” de 1983, Feijó esclarece:
“Toda vez que ler a palavra cultura neste livro, ela será entendida como toda produção voluntária, individual ou coletiva, que vise com sua comunicação à ampliação do conhecimento (racional e/ou sensível) através de uma elaboração artística, de pensamento ou de uma pesquisa científica. (1983, p.8)
A noção de cultura proposta por Feijó reverberou e reverbera uma série de reflexões que desembocam no momento em que você lê este texto. Aprender através é, afinal, tirar proveito de cada situação, de cada acontecimento e cada descoberta - aprender com cada uma delas.
Aprender através é, em última instância, não fetichizar o saber e conhecer. É a prática crítica diária para si e para o mundo. É fomentar e realizar atividades culturais. Aprender através é fazer uso do que se aprende para transformar a forma como se vive, se faz, se produz, se relaciona. Aprender através é aprender com o mundo e se alterar. E nessa alteração, criar condições para alterá-lo. Pois não há separação entre um e o todo. Como nas palavras eternizadas pela mangaká Hiromu Arakawa: “um é tudo e tudo é um”.
Busco nessa proposta-empreitada o exercício da reflexão como uma tentativa de desvendar as potencialidades do saber através de procedimentos de pesquisa, de mediação e curadoria num processo de apreensão de si. De apreensão do mundo. Onde, através do conhecimento possamos, de forma coletiva e autodeterminada compreender como as múltiplas camadas da vida social nos afetam. E como as afetamos. Agentes do saber e da transformação. Como nos condicionam para que seja possível pensarmos maneiras de condicioná-las. De que desse processo possamos apurar nossa compreensão.
Leon Trotski, em seu livro Literatura e Revolução afirma que:
“Os homens preparam os acontecimentos, realizam-nos, sofrem os efeitos e se modificam sob o impacto de suas reações. A arte, direta ou indiretamente, reflete a vida dos homens que vivem ou fazem os acontecimentos. Isso é verdadeiro para todas as artes, da mais monumental a mais íntima.” (2007, p. 35)
Quando digo para aprendermos através de arte, nunca é apenas sobre arte. Quando digo para aprendermos através de ciência, nunca é apenas sobre ciência. Pois podemos aprender através de absolutamente tudo. E como diz a canção: “ainda é cedo para não tentar”.
Deixo aqui o convite para que tentemos juntos.
Com carinho, Tamires MenezesSão Paulo, 09 de Agosto de 2020
Paulo Freire. "Considerações em torno do ato de estudar". Em Ação Cultural para a Liberdade, Editora Paz & Terra, Rio de Janeiro, 1981.
Herbert Marcuse. “Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo Histórico”. Em Materialismo Histórico e Existência, Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1968.