- Tamires Menezes
- 21 de set. de 2020
Atualizado: 19 de nov. de 2024

Viagens no tempo com a Tia Tamy são patrocinadas pelo Governo Bolsonaro: o maior fomentador da morte desde seus coleguinhas - Médici, Geisel e Figueiredo. Ah, não se pode esquecer o embaixador dos vampiros, exímio escritor de cartas, arquiteto de golpes e preparador de terreno para destruição: Michel Temer.
Henfil,
Tô te escrevendo esta carta. Não é igual as outras que te escrevi em segredo. Essa é diferente. Espero que seu filho Ivan não fique bravo comigo. Pensei em pedir para ele: “pô cara, queria fazer isso, teu pai me inspira muito e esse é um momento em que o Henfil faz muita falta na história” coisa e tal. Quem sabe ele leia isso. Não sei. Você não me parecia muito do tipo que pedia licença para falar com alguém. Muito pelo contrário.
Mas é claro, não te conheci. Apenas através da história. E dos livros. E dos companheiros. Conheço tanta gente que esteve próxima de ti. E isso é muito louco. Me sinto perto. Tenho a sensação de que se você estivesse por aqui nos daríamos muito bem. Se você ainda estivesse no partido, com certeza seríamos parças. Mas a vida é muito triste. Tal qual aconteceu contigo - e o Betinho, Chico e tantos mais. Por conta de descasos com a saúde pública que você não está mais aqui, né?
Antes era devagarinho, mas hoje tudo acontece depressa. Até a morte. Os números são assustadores. E ela - a morte - tem vários patrocinadores. No privado, no público, no político. Ah, as corporações! Você precisava ver, Henfil, a maluquice é transnacional agora. E a internet? Vish. É que nem aquele documentário “Geração Riqueza” da fotógrafa Laureen Greenfield, acho que você iria gostar. Ela diz que “está por toda parte - como o ar que respiramos”.
Henfil, tão querendo fazer um bingo com o nosso povo: cansado, explorado, desesperado, encarcerado, morto. Se ticar todos então: “quina,deu aqui!”. O prêmio? Mais dinheiro para os bilionários (é cara, milhão era coisa de lá quando eu era criança na virada do milênio - hoje até trilionário tem por aí). Desde o golpe de 2016 você está por toda parte dando força e toques do passado pra gente. Acho que o Ivan te contou em suas cartas, né?
Sempre tive essa mania de cartas. Escrevia pra todo mundo. E desde que o Igor pesquisou o teu trabalho é como se sempre tivesse te conhecido. Esses dias achei um desenho de uma graúna que fiz num caderninho de mão logo no comecinho de 2019. “Dá sim!”, ela dizia. Vi esses dias no instagram. Doido né? Diário digital. Dá pra colocar música nas fotos. Eu, como não sou besta, vivo colocando os discursos do Fidel (risos).

Tenho lido bastante as tuas coisas. Você e o Betinho - afinal, os dois são meus colegas de profissão e companheiros de luta (mande um abraço para ele, sim?). E tem certa uma coisa na família Souza. Um tal de despertar as centelhas da esperança, que nem dizia o velho Benjamin. Eu sou um papagaio, né? Fico repetindo as coisas. Mas acho que faz parte do trabalho tanto do educador, quanto do cientista - e do humorista também - que é: trazer de volta.
Sabe? O “prestige”. A hora que a piada volta. É tipo isso, Faço muito. Tenho vício. Mas não tem problema - até porque, se tem uma lição que aprendi com os os muros da Cohab II é que “se ninguém te ouvir, escreva!”. Era você que dizia que seu desenho ficava? E ficou mesmo. Por isso te escrevo.
Tá tudo maluco. Mas eu sou maluca. Tem que ser maluco pra sobreviver nesse mundo. Esse tem sido meu segredo. A morte chega e fala “coé menininha” e eu mando ela se lascar. Me cago de medo toda vez, mas mando mesmo assim.
Sempre escrevo pras pessoas quando lembro delas. Hoje tem o zap e está mais fácil. Mas vira e mexe eu separo um tempinho pra escrever pra quem eu gosto. Só não tenho mais onde enfiar papel - o planeta e coisa e tal. Então, te escrevo por aqui mesmo.
Putz! É verdade! Alguém te contou que o Ziraldo tá vivão em pleno 2020? Nem pandemia derruba esse véio - e que sorte a nossa!

Henfil, é isso. Uma hora eu volto a te escrever. Agora tô cheia de coisas para fazer. Mas uma hora eu volto. Tenho uma porrada de cartas e colunas para publicar, mas decidi te escrever primeiro. Afinal, quantas vezes alguma folheada nas cartas para a Dona Maria, no Pasquim ou qualquer outra coisa que tinha dedo teu me deu forças pra continuar nessa empreitada doida de amar e mudar as coisas, né?
Seguimos.
Abraços do futuro,
Tamires Menezes
São Paulo, 21 de Setembro de 2020